Choremos, em respeitosa solidariedade com nossos irmãos brasileiros do Rio de Janeiro, pelas mortes confirmadas, pelos desaparecidos e pelos pobres desalojados, amputados dos sesu entes queridos, despojados dos seus parcos bens, vítimas da tragédia que desfez os morros do Rio de Janeiro!
Nestes desastres naturais, as maiores vítimas são sempre as dos morros das favelas do Rio de Janeiro, onde multidões de favelados vivem como em casulos humanos, de onde saem, manhã cedo, descendo o morro em direção aos seus modestos trabalhos de salário mínimo, ou, os muitos que nem isso têm, se embrenham na "Cidade Maravilhosa" à procura de biscates com que vão entretendo as suas existências difíceis.
Ainda há quem pense que os morros onde se situam essas favelas alcandoradas sobre as paisagens que, por belas, figuram nos postais turísticos do Rio de Janeiro, são habitadas por gente ociosa, que samba alegremente todo o ano, vivendo de expedientes de ocasião, ou que servem apenas de enquadramento sociológico aos marginais da criminalidade e das quadrilhas de bandidos que controlam o tráfico de drogas e onde se encontram as bases de armazenamento e distribuição do comércio da morte que envenenam os citadinos.
É, de facto, nas favelas que as quadrilhas escondem os seus quarteis operacionais, da "raia miuda" das suas linhas da frente, e é com esses - carne para as balas - que se travam os tiroteios com a polícia que invade as favelas, matando a eito sempre fazendo vítimas inocentes com as suas "balas perdidas", em operações retaliatórias de quando em vez, algumas delas por encomenda para "mostrar serviço",.
Mas nessas operações policiais, que fazem mais parte do agravamento do problema que da solução, nunca ou raramente se prendem ou aniquilam os chefes importantes, enquanto os "grandes chefões" ou tubarões que lideram o topo dessas organizações criminosas, estão instalados em suas luxuosas mansões ou apartamentos da exclusiva zona sul, fumando "havanos puros", refrescando suas gargantas com champanhe "Moet Chandon" ou "Veuf Clicoq" ou bebericando "Whiskie Royal Salut 20 yares, on the rocks", rodeados de seguranças que vigiam suas secretas "reuniões de negócios" com camaradas de outros carteis ou com corruptos políticos instalados junto ao poder.
Por isso é que as favelas ainda continuam, aumentam, e são os lugares possíveis da excludente indignidade social reservada aos milhões de trabalhadores indiferenciados, marginais sim, porque marginalizados do progresso social e do bem-estar do conforto que a cidade cá em baixo lhes continuará a negar porque seus magros salários não lhes permite senão continuarem perigosamente empilhados em frágeis habitações nas íngremes encostas que servem de caminho aos rios de lama das enchurradas que lhes ceifam a vida.
São sempre eles e outros marginalizados das periferias afaveladas, distantes das delícias da "cidade maravilhosa", os que morrem e sofrem as tragédias das catástrofes naturais. E não há "bolsa-família" que lhes modifique a triste e vil existência. A cidade linda, lá em baixo, apenas vê pela televisão o que as iníquas assimetrias sociais impõem de tragédias aos que já tão pouco têm. E, na cidade, os muitos que sentem e sofrem pelos seus semelhantes lá dos morros, impotentes perante o descaso dos políticos, choram baixinho a dor que é de todos. Choremos, choremos, mas não nos calemos. Lutemos, lutemos para para que acabem as favelas e os marginalizados, excluídos da cidade que deveria ser de todos.
Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa, talvez a mais formosa do mundo, também tu não escapas à outra milenar tragédia histórica das cidades que, mesmo querendo ser Cidade Ideal, como aquela na República de Platão, também por incapacidade de humanismo pleno dsse ifilósofo idealista, cometeu a injustiça de ser excludente de algumas classes e não ser para todos.
Daqui, de Portugal, estamos em solidariedade com o povo das favelas do Rio de Janeiro, fraternalmente, hoje com eles choramos, como também ontem chorámos com os nossos compatriotas da Ilha da Madeira, ou com o povo do Haiti e do Chile.
Em nome dos portugueses, em nosso nome, o Presidente português, Aníbal Cavaco Silva enviou, em nome pessoal e do povo português, uma mensagem ao seu homólogo brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva na qual manifesta "profundo pesar" e "muito sentida solidariedade" pelas vítimas das intempéries que atingiram o Rio de Janeiro.
"Neste momento de sofrimento, o nosso pensamento está com as famílias das vítimas e com todos aqueles que sofreram perdas irreparáveis, a quem pedimos a Vossa Excelência se digne transmitir as nossas mais sinceras condolências", refere ainda o chefe de Estado português na missiva dirigida a Lula da Silva.
De acordo com a Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, as chuvas já deixaram 119 mortos em todo o Estado, além de mais de 60 desaparecidos. Mas a contagem de vítimas pobres fica sempre incompleta, como incompleta é a sua penosa existência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário